Aplicativos online e games são usados por cientistas para compartilhar suas descobertas e acabar com o ambiente fechado dos laboratórios
Enquanto
você acessa esta reportagem, pode abrir uma outra aba no seu navegador e
acompanhar os estudos antimalária do pesquisador americano Jean-Claude
Bradley e seus alunos. Eles compartilham informações sobre tudo o que
produzem no programa da Drexel University, na Filadélfia, que tem como
objetivo desenvolver compostos orgânicos úteis para a prevenção ou para a
cura dessa doença que mata mais de 1 milhão de pessoas por ano no
mundo. Além de acessar as pesquisas, você também pode contribuir com mais dados, desde que se inscreva no ambiente on-line.
O pesquisador químico Bradley usa o modelo "wikis" para
publicação e compartilhamento. Ele é um dos defensores e praticantes da
ciência aberta, que prega a disponibilização das informações em uma
rede. É o modelo oposto à pesquisa fechada em laboratórios e mais uma prática que ganha força com a cultura digital.
Uma das instituições que nasceram na esteira dessa
cultura, o CreativeCommons – fundado em 2001 nos Estados Unidos com a
missão de ampliar o compartilhamento e uso do conhecimento através de
licenças que se opõem ao copyright (todos os direitos reservados) tem
uma área exclusiva para discutir ciência. Sob a bandeira do Creative
Commons Science estão as publicações da Public Library of Science
(Biblioteca Pública de Ciências) e das editoras BioMed Central e
Hindawi, que são oferecidas gratuitamente aos usuários. Na Public, todos
os artigos publicados trazem sinopse escrita para o público não
especializado. Um esforço para tornar mais acessíveis aqueles conteúdos.
A atenção do pesquisador Bradley ou dos gestores do
Creative Commons, em São Francisco, ao modelo de ciência aberta não é
somente uma questão ideológica. O jogo on-line Fold It, desenvolvido por
pesquisadores da Universidade de Washinghton, está aí para mostrar que a
abertura e a colaboração em rede podem acelerar a pesquisa e o
desenvolvimento. Em 2011 o game foi notícia em todo o mundo quando os
jogadores voluntários decifraram a estrutura de uma proteína retroviral
que está diretamente relacionada ao vírus HIV. Até então os cientistas
não sabiam como era tal estrutura, e isso impedia a projeção de outras
moléculas que pudessem bloqueá-la. Foi o primeiro caso documentado de
problema científico solucionado em parceria com jogadores, e publicado
em periódicos como a Nature Structural & Molecular Biology.
Para criar desafios com tal potencial de colaboração com
a ciência, uma equipe multidisciplinar, que envolve cientistas da
computação, engenheiros e bioquímicos e soma nove pessoas trabalha
incansavelmente sobre um jogo de quebra-cabeça. O pesquisador de
pós-doutorado do Departamento de Bioquímica da Universidade de
Washington Firas Khatib é uma delas e conta que mesmo depois de quatro
anos de Fold It ainda surgem dilemas sobre até onde ir com a dinâmica de
jogo. "Às vezes queremos adicionar algumas restrições, para manter as
soluções do jogador
o mais próximo da realidade, mas vemos que aquele caminho pode tornar o
game menos divertido ou mais lento", diz ele, enfatizando que abrir a
ciência para quem está fora dos laboratórios requer constantemente o
exercício de ponderar sobre quais experiências serão oferecidas.
Quando a experiência "vale a pena", o público não vai
embora, e segue colaborando, até que, num formato de comunidade, atingem
resultados relevantes, como aconteceu com o Fold It, onde a proposta é
montar e organizar estruturas de proteínas. "Sabíamos, em 2008, que não
estávamos criando ali uma versão final do Fold It, que havia muito para
ser aperfeiçoado, mas o que nos surpreende é ver que uma grande
quantidade de jogadores que estava lá, em 2008, se mantém presente, e
isso é excelente em todos os aspectos", comenta Khatib.
A cocriação por meio de ferramentas on-line é uma das
formas de engajamento na ciência, mas não a única para o público não
especializado. Além de fazer as vezes de cientista, pode-se também ser
patrocinador de pesquisas. Plataformas de crowdfunding já apresentam
projetos científicos, e de olho nesse nicho surgiu a Dodo, a primeira no
mundo voltada exclusivamente para projetos genéticos e criada por
brasileiros.
A iniciativa acabou de chegar à web, liderada pela
Beagle Informatics, startup fundada pelo paraibano Vinicius Maracaja,
PhD em bioinformática pela USP. Ele não pretende ser apenas um
facilitador da ciência, mas também fomentar as práticas colaborativas
para o estudo mesmo, por isso explica que outra plataforma, a NimbusGene
está a caminho, e por lá todas as projetos bem-sucedidos na arrecadação
coletiva do Dodo terão um espaço gratuito para armazenamento de dados e
estudo colaborativo.
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