xmlns:og='http://ogp.me/ns#' Cantinho da Déa: Com 1 mi de novas vagas, municípios não garantem qualidade da pré-escola

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Com 1 mi de novas vagas, municípios não garantem qualidade da pré-escola


Até 2016, todas as crianças a partir dos 4 anos devem estar matriculadas na escola. Será necessário criar mais de 1 milhão de vagas

Até 2016, todas as crianças a partir dos 4 anos devem estar matriculadas na escola Foto: Getty Images
Até 2016, todas as crianças a partir dos 4 anos devem estar matriculadas na escola
Foto: Getty Images
Angela Chagas
​As mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, publicadas no começo do mês no Diário Oficial, reabriram a polêmica sobre a necessidade de matricular as crianças a partir dos 4 anos na escola - regra que está em vigor desde 2009, quando foi aprovada a emenda constitucional 59. Embora os municípios tenham até 2016 para se adequar à nova lei (antes o ensino era obrigatório a partir dos 6 anos), ainda há uma longa trajetória pela frente. Levantamento do Movimento Todos pela Educação aponta que uma em cada cinco crianças entre 4 e 5 anos de idade não encontra vaga para cursar a pré-escola. Isso significa que precisam ser criadas 1.050.560 vagas para que toda a população dessa faixa etária seja atendida e a lei, cumprida.

Estamos colocando essas crianças na sala de aula, mas não temos como garantir a qualidade
Paulo Ziulkoski Presidente da CNM
Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski afirma que a meta será atingida até 2016, mas não garante o principal: a qualidade da educação nessas instituições. "Tudo indica, embora não haja recursos, que os municípios vão cumprir essa determinação. Porém a qualidade da educação é outra questão para se preocupar. Estamos colocando essas crianças na sala de aula, mas não temos como garantir a qualidade", diz.

Segundo Ziulkoski, a educação infantil, responsabilidade exclusiva dos municípios, tem um custo muito elevado e o governo federal não oferece contrapartida suficiente para atender a nova demanda. Ele afirma que o repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) é de cerca de R$ 270 mensais por aluno, mas que o custo é quase o dobro disso - R$ 780 por mês para uma criança que fica na escola em turno integral. "O governo tem feito bastante propaganda, dizendo que vai construir creches, mas o problema não é o prédio. O problema é a manutenção dessa estrutura", critica.

O secretário da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Romeu Weliton Caputo, contesta a informação de que o apoio federal seja insuficiente. Segundo ele, toda a criança que entra para o sistema educacional passa a se computada em diversos programas educacionais, tanto para alimentação, transporte escolar e material didático. Ele diz também que, a partir da criação do programa Brasil Carinhoso no ano passado, o governo federal passou a liberar um valor extra de 50% do repasse do Fundeb por cada aluno cuja família recebe o auxílio do Bolsa Família. "Essa iniciativa auxilia os municípios com populações mais carentes. Oferecer a educação infantil nessas comunidades mais pobres é sempre mais caro, por isso esse apoio", diz.

O plano do MEC, de acordo com o secretário, é concluir 6 mil novas creches até o final de 2014. "O governo financia a construção, o equipamento e o custeio do primeiro ano até que entre a verba do Fundeb. Claro que é um valor alto (a manutenção das escolas), por isso que o governo fez uma série de políticas para apoiar os municípios", defende Caputo.

Pré-escola não pode ser depósito de crianças
Diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz defende a entrada mais cedo na escola, mas alerta que a educação infantil não pode servir como um "depósito de crianças". "Temos que pensar qual é a pré-escola que queremos porque hoje no Brasil ainda tem muito lugar onde as crianças ficam olhando para o teto, é só um depósito de crianças enquanto os pais estão trabalhando". Segundo ela, educação infantil de qualidade, que privilegia o aprendizado, as brincadeiras, a socialização entre as crianças traz resultados positivos nas demais etapas da educação.

Temos que pensar qual é a pré-escola que queremos porque hoje no Brasil ainda tem muito lugar onde as crianças ficam olhando para o teto, é só um depósito de crianças enquanto os pais estão trabalhando
Priscila Cruz Diretora-executiva do Todos pela Educação
Diretora de uma escola municipal de Porto Alegre (RS), Maria do Carmo de Souza trabalha com educação infantil há 40 anos e conhece bem a realidade da pré-escola, principalmente em comunidades mais pobres. No colégio Moradas da Hípica, há duas turmas de educação infantil – uma para crianças de 4 anos e outra para os estudantes de 5 anos. Como são oferecidas apenas 20 vagas por ano, muitas crianças a zona sul da capital ficam de fora do programa. "Se pudéssemos receber mais alunos seria ótimo porque vemos claramente a diferença entre aqueles que passaram pela educação infantil e os que entraram direto no primeiro ano", afirma.

O secretário do MEC acredita nessa diferença e investe na educação infantil como forma de atingir a meta de que todas as crianças sejam alfabetizadas no Brasil até os 8 anos de idade. E para concretizar esse objetivo, a formação dos professores é uma prioridade. Segundo a LDB, para dar aulas na educação infantil ainda são permitidos professores com formação normal – conhecido como magistério. De acordo com Romeu Caputo, os cursos normais sempre tiveram um elevado padrão de qualidade e limitar a inclusão desses profissionais poderia resultar na falta de professores. Para ele, o maior problema de qualidade hoje está nos cursos de pedagogia. "Já estamos trabalhando com a Secretaria de Educação Superior para garantir que a educação infantil esteja presente nos cursos de pedagogia, os professores precisam estar preparados para dar aulas para crianças".

Professora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sobre educação infantil há mais de 20 anos Marieta Nicolau afirma que a pré-escola exige um professor altamente especializado. "Precisamos preparar o profissional para valorizar o lúdico, o brincar, a descoberta de si e do outro. É importante trabalhar com a linguagem oral e visual, não é uma tarefa fácil". Ela lembra ainda que esse trabalho não cabe somente aos professores, mas que a participação dos pais é fundamental. E ainda faz um alerta: a pré-escola é um espaço para brincadeira, música, histórias e arte. Não pode ser um lugar onde a criança sinta-se obrigada a aprender. A tarefa de ensina a ler e a escrever é tarefa do ensino fundamental, embora a educação infantil contribua para garantir a alfabetização.

A pesquisadora lembra ainda da importância dos investimentos em infraestrutura. Espaço para as brincadeiras, salas de aula coloridas, com jogos e livros são fundamentais. Mas tanto contar com professores capacitados quanto financiar uma estrutura completa representam um custo elevado e os novos prefeitos assumiram seus cargos em janeiro deste ano sabendo do desafio. "Os prefeitos anteriores, de modo geral, diziam que o prazo era para o próximo (gestor). Teve crescimento da oferta, mas não foi expressivo. O prefeito novo vai ter que se agilizar, o prazo é com ele", completa a diretora do Todos pela Educação.


Terra

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