Matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, 13 de maio de 2013.
Rogério Gandra Martins
O ponto de partida dos debates sobre a redução da maioridade penal é o Direito.
Nossa Constituição consagrou no artigo
14 que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos (...) sendo o direito
ao voto facultativo aos maiores de 16 anos e menores de 18".
Por outro prisma, a Constituição
estabeleceu em seu artigo 228 que "são penalmente inimputáveis os
menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial".
A legislação especial a que faz menção o
artigo veio a ser promulgada pouco após a Constituição: O Estatuto da
Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90), que tratou no campo
específico do menor infrator o estabelecimento de "medidas
socioeducativas" como formas de "penas" pelos atos praticados.
Comparando o tratamento conferido ao
menor caso cometa algum ato contra a lei e a gama de direitos ao mesmo
conferidos, noto uma verdadeira esquizofrenia legislativa.
O Código Civil de 2002, por exemplo,
estabelece que o menor pode dispor sobre seu patrimônio por testamento,
ser mandatário em atos jurídicos, entre outras conquistas.
Quando se verifica que o menor pode por
si só entender as complexidades de um contrato de compra e venda, mas
não consegue "discernir plenamente" o que é um homicídio ou não, e caso o
pratique será totalmente inimputável, conclui-se que há uma profunda
discrepância entre como os outros campos de direito cada vez mais veem o
"menor" como apto a conhecer a realidade de direitos e deveres e a
legislação penal, datada de 1940, que ainda o vê com ares de total falta
de discernimento, tratando-o como uma criança de 2 anos!
Ainda do ponto de vista jurídico, não
compartilho do entendimento segundo o qual a inimputabilidade penal ao
menor de 18 anos seja uma cláusula pétrea da Constituição e, portanto,
imodificável. O Direito deve ser revisto de forma urgente, caso
contrário, continuará letra morta na questão da maioridade penal.
O tema quebrou as barreiras de
questionamentos acerca de classes sociais. Barbáries são perpetradas
hoje por jovens de todas as classes e a todos é necessária imperiosa
repreensão estatal.
Reconheço que a diminuição da
maioridade penal não resolverá em absoluto os problemas da
criminalidade. Mas, uma vez aprovada, grande parte dos "menores sem
discernimento" parará para pensar antes de cometer atrocidades.
Não podemos ser ingênuos a ponto de
imaginar que um menor que pratica um ilícito não sabe de todo o aparato
de benesses que o espera. No máximo uma condução a um estabelecimento
especial, com a aplicação de uma medida socioeducativa, prazo de
permanência ínfimo, bem como um período de prescrição da conduta mínimo.
Se adotada a medida, as técnicas do
crime organizado de usar a infantaria dos "menores inimputáveis" na
primeira linha do front de guerra, a fim de que os "de maior" sejam
poupados para operações de grande vulto, seriam razoavelmente
diminuídas.
O problema da criminalidade no país só
será realmente analisado caso se pratiquem contundentes medidas
interdisciplinares. Um elevadíssimo investimento
em educação de altíssima qualidade, aparelhamento e condições efetivas
para que as polícias possam de fato prestar segurança à população, uma
verdadeira revolução em termos de políticas públicas a fim de retirar as
populações menos abastadas dos níveis de miséria e não as algemas
eleitorais de parcas bolsas família e tantas outras bolsas.
Se 93% da população brasileira é
favorável a essa redução, o mínimo que a ela se pode ofertar é a
possibilidade de exercer sua cidadania por um plebiscito.
Ou se toma uma atitude condizente com a
realidade brasileira, ou o que se poderá falar amanhã para o pai ou mãe
de um filho vítima inocente de um homicídio com requintes de crueldade?
Será que aceitarão as palavras "Tenham pena do garoto, não sabe ainda o
que faz"?
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