Clipping Educacional - SECOM / CPP - Revista Veja
Especialistas pregam expansão e reforma do ensino técnico e flexibilização da grade curricular para contornar fracasso do ciclo
Aluno teria mais interesse na escola se pudesse escolher disciplinas com as quais se identifica (Thinkstock)
"O
ensino médio brasileiro é muito chato, uma colcha de retalhos que não
leva conhecimento a quem deveria. O professor se sente impotente para
ensinar e o aluno, para aprender." O julgamento da professora Maria Inês
Fini, doutora em educação e idealizadora do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), é corroborado pelas mais variadas aferições. De cada cem
estudantes que ingressaram no ciclo em 2008, 35 não chegaram a seu fim
três anos: repetiram ou deixaram a escola. Entre os bravos que ficam,
poucos aprendem o esperado, como comprovaram recentemente os resultados
do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Pelo indicador, o
ensino médio obteve em 2011 média de 3,7 em uma escala de 0 a 10. Pior:
além ser ruim, ele praticamente não melhorou em relação à medição
anterior. Se faltavam indícios de doença, pode-se atestar agora
enfermidade gravíssima. O MEC esboçou uma resposta aos maus resultados.
Entre outras medidas, sugeriu o agrupamento das 13 disciplinas do ciclo
em quatro áreas de conhecimento. Educadores ouvidos por VEJA.com dizem
que isso não é suficiente para manter os jovens na escola e formá-los
apropriadamente. Eles propõem a massificação do ensino técnico, a
possibilidade de os estudantes escolherem a ênfase de seus cursos e a
eleição das disciplinas de português e matemática como pilares do ciclo –
confira as principais propostas no quadro abaixo.
Na
visão dos especialistas, o ensino médio brasileiro é, em suma, uma
invenção do século XX que ainda teima em sobreviver nos nossos dias.
Falta "identidade" ao ciclo, dizem os estudiosos. Por lei, o estudante
deveria sair dessa etapa do ensino preparado para o ingresso tanto no
mercado de trabalho como na universidade. Mas, a exemplo do ciclo
fundamental (em especial, o de escolas públicas), que não ensina a ler
nem a fazer contas elementares, o médio não fornece ferramentas
profissionais e intelectuais a contento a jovens expostos a um mundo
cada vez mais competitivo e exigente.
O
cientista político Simon Schwartzman, ex-presidente do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e autoridade em educação,
afirma que o conteúdo apresentado hoje aos estudantes do ensino médio é
calcado essencialmente naquilo que é cobrado pelo Enem e pelos
vestibulares. "Isso, é claro, é prejudicial para aqueles que não
pretendem seguir para o ensino superior", diz Schwartzman.
Uma
grade curricular "engessada, rígida e antiquada" é outra receita
infalível de fracasso. O formato desmotiva os estudantes, que, por volta
dos 15 anos, já sentem florescer competências, preferências e sonhos –
além, é claro, de incompatibilidades, aversões e pesadelos. Assim,
apesar de cultivarem interesse por áreas específicas do conhecimento,
ainda são obrigados a enfrentar um curso sem variações, cujo currículo é
igualmente aplicado a todos. "São muitas áreas, e todas abordadas
superficialmente. O aluno, então, aprende à base de memorização,
repetindo o que o professor fala", diz Schwartzman. "Não surpreende que
tantos desistam. É preciso oferecer algo que pareça e de fato seja útil a
esse jovem."
A
amplitude da grade curricular citada por Schwartzman parece intimamente
ligada à má qualidade de sua aplicação. Nas palavras de Ricardo
Henriques, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a
"quantidade de matérias obrigatórias culminou, ironicamente, na
limitação do aprendizado". "Ao impedir que o aluno se aprofunde em uma
área de seu interesse, restringe-se o horizonte dele", diz. "Vê-se que o
ensino ainda está no século XIX."
O
ensino técnico é uma estrada a ser alargada e estendida por todo o
Brasil. É o consenso entre os especialistas. Mas a modalidade também
precisa de mudanças, ou melhor, de atualização. Hoje, caso opte por essa
modalidade, o estudante tem de cumprir toda a carga horária do ensino
médio regular, além da mínima obrigatória da carreira escolhida. Na
prática, significa que ele ficará ao menos um ano a mais na escola. É um
desestímulo para os jovens, em particular, e para a economia, em geral.
"As duas modalidades, regular e técnica, deveriam ter a mesma duração.
Se o jovem que opta pelo técnico tem um curso mais longo, essa deixa de
ser uma alternativa", diz o colunista de VEJA Cláudio de Moura Castro,
Ph.D em economia e referência no estudo do cenário educacional
brasileiro. O resultado disso muitas vezes é que o jovem se lança ao
mercado de trabalho sem a desejada qualificação técnica, com perdas
evidentes para ele próprio e para o país.
O
Brasil não vai reinventar a roda se promover as mudanças sugeridas no
ensino médio. Na Grã-Bretanha, os estudantes do ciclo equivalente ao
ensino médio brasileiro devem escolher no máximo cinco disciplinas, que
já podem ser voltadas à área para a qual os alunos pretendem se dedicar
na universidade.
A
proposta do governo de agrupar as disciplinas em quatro grandes áreas
(linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e matemática) não é
considerado de toda ruim pelos especialisas. Tampouco é nova. Uma
resolução de 26 de junho de 1998 já previa tal organização, mas a
reforma nunca saiu do papel. E isso não ocorre à toa. "Teoricamente, é
uma boa ideia, mas cuja aplicação é difícil", diz Maria Helena de
Castro, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e membro da Academia Brasileira de
Educação. "O professor polivalente pode ser uma solução, mas antes é
preciso discutir como prepará-lo adequadamente." Lapidar mestres,
portanto, é fundamental. Mas ainda não apareceu nos planos do governo
para colocar o ensino médio no século XXI.
fonte: http://www.cpp.org.br/
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