Matéria publicada na Folha de São Paulo, 10 de junho de 2012.
Segundo associação, hoje são ao menos mil famílias; em 2009, eram 250
De acordo com a lei, pais são obrigados a matricular os filhos na escola; mesmo assim, 'homeschooling' cresce
CLÁUDIA COLLUCCI ENVIADA ESPECIAL A TIMÓTEO (MG)
Mesmo considerado ilegal, o ensino
domiciliar ("homeschooling") tem conquistado mais adeptos no país. Dados
da Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar) mostram que ao menos
mil famílias já educam os filhos em casa. Em 2009, eram 250.
Minas Gerais é o Estado que concentra o maior
número: 200. Ao menos nove delas estão sendo processadas e uma foi
condenada pela Justiça ao pagamento de multa.
Em Timóteo (215 km de Belo Horizonte), 21 famílias
planejam uma ação conjunta no Ministério Público requerendo o direito de
educar os filhos "com liberdade".
"Queremos sair da clandestinidade", diz o
empresário Cléber Nunes, 48, coordenador da Anplia (Aliança Nacional
para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender).
Os argumentos dos pais que adotam o ensino
domiciliar são a má qualidade da educação pública, a violência e a
suposta falta de valores morais no ambiente escolar. A maioria é
evangélica.
"Não queremos atacar a escola. Defendemos que as
famílias tenham a opção de educar seus filhos em casa", diz o pedagogo
Fábio Schebella, diretor da Aned.
Para ele, não há norma jurídica que proíba o ensino
domiciliar. "Vale o princípio constitucional da legalidade. É lícito
qualquer ato que não seja proibido por lei."
LEGISLAÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a LDB (Lei
de Diretrizes e Bases) determinam que os pais matriculem os filhos na
rede regular de ensino, a partir dos seis anos.
O artigo 246 do Código Penal configura como crime
de abandono intelectual "deixar, sem justa causa, de prover a instrução
primária de filho em idade escolar".
É com base nesse artigo que Nunes e a mulher
Bernadeth, 44, foram condenados a pagamento de multa de R$ 9.000. Em
2005, eles tiraram da escola os filhos Davi, 19, e Jônatas, 18, que à
época cursavam a 5ª e a 6ª séries.
Os jovens fizeram várias provas que atestaram que o
conhecimento deles era compatível ao de alunos do ensino regular. Mas,
ainda assim, a condenação foi mantida.
"É uma questão ideológica. Não julgaram os fatos.
Nunca houve abandono intelectual. Em casa, eles puderam receber uma
educação que os preparou para o mercado de trabalho e para a vida
adulta", diz Nunes.
O "homeschooling" é regulamentado em países como Canadá, Inglaterra, México e alguns Estados dos EUA.
No Brasil, um projeto de lei do deputado Lincoln Portela (PR-MG), que foi educado em casa, tramita no Congresso.
Pelo projeto, o ensino pode ser realizado pelos
pais, com supervisão e avaliação periódica. Também foi criada uma frente
parlamentar em defesa do ensino domiciliar.
EDUCADORES
Os educadores contrários à iniciativa dizem que a
educação domiciliar impede que as crianças lidem com as diferenças e a
pluralidade.
Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação
da USP, calcula que só no ensino fundamental a criança passe por 50
professores de diferentes disciplinas.
"Não podemos privar a criança disso. Os pais não têm essa formação, por mais geniais que sejam", afirma.
A professora Angela Soligo, do departamento de
psicologia da educação da Unicamp reforça que a escola não é só um lugar
para se adquirir conhecimento.
"É um lugar de socialização, de respeito às
diferenças, de convívio com as pessoas. Em tempos de intolerância, é de
se preocupar que os pais queriam educar seus filhos com esse viés. Isso
alimenta preconceitos. A sociedade quer isso?"
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